No Brasil os ativistas pró-vida, não só católicos como também fiéis de diversas denominações protestantes, estão fazendo a diferença da fisionomia do segundo turno da eleição presidencial para eleger o sucessor de Luiz Inácio Lula da Silva. Isto tem incomodado os operadores do atual partido no governo, o Partido dos Trabalhadores (PT), e de sua candidata Dilma Rousseff, que pensaram que iriam ganhar as eleições no primeiro turno e agora se encontram à beira de um ataque de nervos.
Já na campanha prévia à eleição de 3 de outubro, tanto os bispos como os pastores de diversas denominações cristãs lançaram vários pronunciamentos com o fim de que seus fiéis votassem em canditados abertamente comprometidos com a vida, a família e a liberdade de educação.
Levados na onda de um presidente popular como Lula, os líderes do PT acreditaram ter a vitória nas mãos e aconselharam à sua representante que evitasse tratar de temas delicados - tais como o aborto. Mas a situação voltou-se contra eles próprios, já que Rousseff não conseguiu superar o mínimo de 50 % mais um dos votos validos necessários para ser declarada vencedora absoluta ante o seu principal opositor, José Serra, que colheu 33 % dos sufrágios.
Imediatamente, a equipe do partido iniciou a tarefa de analisar os pontos débeis da campanha e chegou à conclusão de que uma postura ambígua a respeito do aborto (entre outras coisas) tirou nada menos que aproximadamente 6 milhões de votos, número nada desprezível em um universo de 135 milhões de eleitores.
Esta diminuição do consenso coincidiu com uma série de denúncias por parte de grupos, organizações e sites religiosos da internet sobre o apoio aberto e direto que, no passado, Dilma Rouseff deu à interrupção voluntária da gravidez, assim como acerca do impulso do PT aos "casamentos homossexuais”. Por isso, e tendo em vista o segundo turno, os agentes principais do partido empenharam-se em estabelecer uma espécie de "controle dos danos".
Segundo versões de alguns jornais, o secretário pessoal de Lula, Gilberto Carvalho, foi o conduto para fazer chegar à Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) a mensagem de que se continuassem com seu discurso pró-vida, o governo estaria disposto a revisar o acordo diplomático assinado em 2007 com o Vaticano, no qual a Igreja Católica é detentora de alguns benefícios no campo da educação, além de status jurídico.
Ainda que alguns prelados tenham se amedrontado, suavizando sua posição, outros decidiram não ceder ante as pressões. Um dos mais aguerridos é Dom Luiz Bergonzini, bispo de Guarulhos (região metropolitana de São Paulo). Sua postura se tornou tão incômoda que seu “irmão” no ministério Dom Demétrio Valentini, bispos de Jales, denunciou-o por “crime eleitoral” nas páginas do Diário de Guarulhos do dia 07 de outubro.
A publicação de tão grave acusação, de um clérigo contra o outro, deixou a muitos estupefatos. Em uma carta posterior (dirigida aos bispos brasileiros) Bergonzini conclui que “por trás daquilo escrito no jornal esteve a mão do Partido dos Trabalhadores com a intenção de amedrontá-lo” e que isto “no âmbito nacional buscou assustar os bispos e a comunidade cristã”.
Além disso, sabe-se que o mesmo prelado de Guarulhos recebeu uma carta anônima com uma ameaça de morte, que entregou a polícia. Mas ele não havia sido o único advertido, algo similar ocorreu com outros três membros da hierarquia. Em conseqüência, Dom Nelson Westrupp, presidente do Regional Sul 1 da CNBB, lançou um comunicado para desqualificar a divulgação de um documento, o“Apelo a todos os brasileiros e brasileiras”, do qual, pouco antes, o mesmo organismo a seu cargo havia recomendado “uma ampla divulgação”.
As pressões não tiveram os mesmos efeitos para todos, e houve aqueles que ratificaram sua posição, como, por exemplo, o responsável da Diocese de Lorena, Dom Benedito Beni dos Santos.
A controvérsia não envolveu apenas bispos, mas também alguns sacerdotes como o Padre José Augusto Souza Moreira, que, durante a homilia de uma missa transmitida pelo canal católico Canção Nova, afirmou: : “Não votei e não vou votar no PT porque sou a favor da vida”. Imediamente a Fundação João Paulo II, que controla este meio televisivo, apareceu tomando distância do pronunciamento do sacerdote, assegurando não ter autorizado o seu discurso.
Juntamente com a estratégia do garrote, Dilma Rousseff quis colocar em prática aquela outra estratégia de "colocar uma cenoura diante do burro", e optou por uma aproximação com o mundo católico, ao assistir uma missa no Santuário Nacional da Virgem de Aparecida no dia 11 de outubro, véspera do feriado da Padroeira do Brasil. Para arrematar, ao final da cerimônia, afirmou convicta ter uma “forte formação religiosa”.
Quatro dias depois a candidata dirigiu uma carta aos fiéis evangélicos de seu país, na qual comprometeu-se a não impulsionar legislações que ofendam a família, caso eleita para o cargo de Presidente. “Sou pessoalmente contra o aborto e defendo a manutenção da legislação atual sobre o assunto. Eleita presidente da República, não tomarei a iniciativa de propor alterações de pontos que tratem da legislação do aborto e de outros temas concernentes à família ”, escreveu.
Tudo para recuperar o eleitorado perdido. Mais de seis milhões de sufrágios concentrados pelo conjunto pró-vida; o voto católico e o bloqueio cristão-evangélico. Uma parte do eleitorado que, no segundo turno, marcará a diferença e inclinará a balança do ganhador.
Andrés Beltramo Alvarez é correspondente estrangeiro no Vaticano, autor do blog Sacro & Profano.
Vaticano, 26 de outubro de 2010.