Instrumentalização?

Dia 28 de outubro, às vésperas do 2º. turno eleitoral, o Papa Bento XVI discursou aos bispos brasileiros responsabilizando-os pelo direito e dever de defender a vida, a família e os direitos humanos legítimos, isentos de interpretações ideologizadas. Afirma o Papa que “...quando os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas o exigirem, os pastores têm o grave dever de emitir um juízo moral, mesmo em matérias políticas (...) isto também significa que em determinadas ocasiões, os pastores devem mesmo lembrar a todos os cidadãos o direito, que é também um dever, de usar livremente o próprio voto para a promoção do bem comum” (o Papa cita Gaudium et Spes, nn. 75 e 76).

Efetivamente o discurso do Papa foca temáticas que incidem na ordem ética e moral. Inevitavelmente as duas correntes partidárias comprometidas na disputa eleitoral, utilizaram as assertivas do Papa para combater um candidato, favorecendo outro. Qual seria a intenção do Papa e dos bispos que se pronunciaram a favor da vida, contra o aborto, senão a de unicamente orientar os fiéis a respeito dos princípios éticos e dos valores morais? Porém, o fato não foi interpretado dessa forma.

O discurso do Papa foi antecedido por semelhantes orientações dadas por alguns bispos e pastores evangélicos. Acrescentava-se à problemática do aborto outras questões como símbolos religiosos, liberdade de imprensa, visão de um Estado laico e totalitário que expurga dos debates civis os princípios e os valores de matriz cristã. Ambos, candidato e candidata, se reuniram com representações de igrejas para esclarecer seu posicionamento a respeito dessas questões.

Dilma Roussef após eleita voltou a se referir em seu breve discurso sobre essas mesmas questões, sublinhando o respeito pela vida. Resta-nos acompanhar a sua trajetória presidencial, bem como as disposições dos parlamentares, deputados e senadores nas decisões de políticas sociais elaboradas no Congresso nacional. Doravante cabe a todos os que defendem e promovem os valores humanitários e cristãos, cobrar dos parlamentares um posicionamento coerente a favor da vida.

Não se confunda defesa da vida com provocações hostis feitas de forma leviana e inoportuna. Não obstante as orientações do Santo Padre alguns religiosos se pronunciaram. Opiniões ou preferências particulares emitidas por um representante católico, evangélico, espiritualista não é necessariamente endossada pela respectiva denominação. Representante religioso, de maior ou menor escalão, que apontasse um partido ou um candidato aos fiéis, o faz em nome próprio e não no de sua denominação.

Um cristão não pode renegar sua fé ou prescindir dos valores do Evangelho e dos mandamentos da lei de Deus! A atitude de defesa dos princípios jamais se confunde com ideologia de um partido político ou com indicação de candidaturas, o que seria instrumentalização das consciências.

A orientação do Papa não teve a intenção de atacar uma candidatura político-partidária. Sua intenção é preservar valores espirituais que estão em jogo. Se lamentavelmente alguns assuntos religiosos foram lançados propositadamente com fins eleitorais, caberia aos religiosos tê-las abordado com seriedade serena. O assunto voltará à baila na agenda da presidente eleita e dos parlamentares.

Reflexões semelhantes ocorrerão a respeito do Plano Nacional dos Direitos Humanos 3 (PNDH 3), que já provocou sérias reações contrárias por parte de muitos setores da sociedade, incluindo as igrejas cristãs. Não se confunda crítica construtiva com agressão arbitrária, politiqueira.

Relembrar princípios éticos e morais é uma atitude de amor, tendo em vista a formação da índole concidadã. Não seria instrumentalização religiosa denegrindo ou favorecendo partidos e candidatos, se confundindo com partidarismo político.

Dom Aldo di Cillo Pagotto é Arcebispo Metropolitano da Arquidiocese da Paraíba.
João Pessoa, 8 de Novembro de 2010.