Apresentamos na integra uma entrevista concedida pelo Cardeal Dom Odilo Scherer ao semanario O São Paulo da Arquidiocese de São Paulo, nº 2823, publicado de 2 a 9 de novembro de 2010.
Qual mensagem o senhor deseja transmitir ao 40° presidente do Brasil?
O 40º Presidente do Brasil é uma mulher e isto constitui um fato novo e significativo na história do Brasil. Apresento meus cumprimentos à Presidenta da República eleita, Dilma Rousseff. O povo brasileiro manifestou a sua vontade de forma democrática e lhe confiou uma grande missão. Que Deus a ilumine e inspire em todas as suas decisões e ações!
A campanha eleitoral deste ano foi fortemente marcada por debates em torno de questões fundamentalmente cidadãs (defesa da vida, aborto, garantia da instituição familiar), mas numa perspectiva majoritariamente religiosa. Qual avaliação o senhor faz disso? Foi positivo o peso da religião no debate político deste ano?
Esta campanha foi bastante diferente de outras pela vigilância maior da sociedade (lei 9840 e lei da “ficha limpa”) para garantir a lisura da campanha e das eleições e isso deve ser considerado um ganho para a sociedade e para a democracia. Por outro lado, a campanha, além dos temas de importância evidente, como a política econômica e financeira, educação, segurança e ecologia, também fez emergir uma forte preocupação da sociedade com temas de fundo, que têm importância política indiscutível, como, o respeito à vida humana, a família, a liberdade de expressão e a normalidade da vida democrática. Pena que a discussão deu conotação religiosa a algumas destas questões; penso que isso foi equivocado, pois são questões de direitos humanos e de interesse cidadão, que não deveriam ser adscritas ao apenas “interesse religioso”. Pergunto, se existe questão política mais importante que os direitos humanos?! Portanto, foi importante que estas questões tenham emergido na discussão política.
Qual avaliação o senhor faz sobre todo o processo eleitoral vivido neste ano no país?
O processo eleitoral revelou que é necessário aperfeiçoar o sistema eleitoral e fazer uma profunda reforma política no País. Creio que faltou a reflexão mais aprofundada sobre temas essenciais à vida do País, como a política econômica e educacional; mas é preciso destacar também que esta eleição, provavelmente, teve menos fatos de corrupção eleitoral que as anteriores e fez surgir novos métodos e instrumentos de militância política, favorecidos sobretudo pela Internet.
Quais os principais desafios da Presidenta eleita? Quais deveriam ser suas prioridades de governo?
Eu prefiro falar de metas que eu gostaria de ver alcançadas nos próximos 4 anos pelo Governo da Presidenta eleita: o cumprimento integral da Constituição e o pleno respeito pelas Instituições democráticas do País; a estabilidade econômica e a criação de oportunidades de trabalho para os brasileiros pobres; erradicação do analfabetismo e o ensino fundamental e médio para todas as crianças e jovens; superação da miséria e a garantia de um mínimo de vida digna para todos os brasileiros; um programa habitacional corajoso no lugar das favelas; acesso à saúde para toda a população; saneamento básico nas cidades e grandes áreas metropolitanas; proteção à família e defesa do direito à vida para todo o ser humano, mesmo ainda não nascido. Faço votos que o Brasil, depois de 4 anos, esteja muito melhor do que está agora.
E a posição da Igreja em relação à Presidenta eleita?
Falo por mim, como Arcebispo de São Paulo. A Sra. Dilma Rousseff foi eleita democraticamente e será a Presidenta de todos os brasileiros. Assim deve ser reconhecida e respeitada. No entanto, o resultado das eleições não altera as convicções e princípios da Igreja Católica e que, de acordo com o princípio da liberdade religiosa e no respeito às liberdades democráticas e à laicidade (positiva) do Estado, ela continuará a divulgar e a propor à sociedade. É preciso notar que também a ação e as decisões do Congresso Nacional merecem a especial atenção da Igreja.