Foi no dia 13 de maio de 1888 que a princesa Isabel tentou acabar com a escravidão no Brasil. Contudo, ao firmar o decreto conhecido como a “Lei Áurea”, ela assinou também a morte do Império e o advento da República. Sem prever as consequências, ela mexera num enxame de marimbondos: a medida subtraía das elites, das empresas e das fazendas nada menos do que 720.000 trabalhadores robustos e baratos – este o número contabilizado pela “Matrícula Geral de Escravos”, a 30 de março de 1887.
Infelizmente, a escravidão no Brasil está longe de ter terminado. No dia 5 de janeiro de 2011, a imprensa comunicava que o Mato Grosso do Sul ocupa o terceiro lugar no ranking nacional da chamada “lista suja”, que relaciona as empresas com trabalhadores em situação de escravidão. O ranking é liderado pelo Pará e pelo Maranhão. Logo em seguida, vem o Estado em que resido, com a presença de 18 empresas “escravocratas” – em sua maioria, com atividades no ramo das carvoarias e das usinas sucroalcooleiras.
Desconheço o número de negros que viviam no território do atual Mato Grosso do Sul em 1888. Certamente, eram uma minoria. Talvez apenas os que haviam conquistado a liberdade e um pedaço de terra por terem participado da Guerra do Paraguai (1864/1870). Provavelmente, menos numerosos do que os nordestinos e os indígenas – as duas categorias mais oprimidas hoje no Estado.
De acordo com os dados fornecidos pelo Ministério do Trabalho, em 2010, no Brasil, foram resgatados 2.327 trabalhadores em regime de escravidão – número que sobe para 38.000 unidades, se incluirmos todos os que foram libertados a partir de 1995.
As 18 empresas investigadas no Mato Grosso do Sul estão localizadas em 15 municípios, alguns deles na Diocese que me cabe conduzir: Amambai, Iguatemi, Nova Alvorada do Sul e Dourados. Oxalá sejam apenas esses!
Infelizmente, a escravidão não é coisa do passado. Ela continua atuando em vários países, e até mesmo na Reserva Indígena de Dourados. De acordo com uma notícia veiculada pelo “Jornal Nacional” no início de fevereiro de 2011, há índios que “vendem” suas filhas para sobreviver (ou para manter seus vícios!). No Haiti, 300.00 crianças são mantidas em regime de escravidão. Apesar de não se dispor de dados exatos, estima-se que sejam 30.000.000 os escravos hoje no mundo. O tráfico de pessoas faz aproximadamente 800.000 vítimas por ano, sobretudo entre os imigrantes ilegais. No Sudão, há tribos inteiras que, de uma hora para outra, são dizimadas e seus membros capturados e vendidos para tribos rivais e países vizinhos. Ou seja, exatamente como aconteceu com os 4.000.000 de negros chegados ao Brasil a partir de 1538, quando Jorge Lopes Bixorda trouxe os primeiros africanos para a Bahia.
A diferença – se é que há diferença – é que não estamos mais na Pré-história ou na Idade Média, quando a escravidão constituía um fato corriqueiro e normal. A própria Igreja Católica contou em seu seio com cristãos que a toleravam e defendiam, e outros que a combateram tenazmente. Mas, em pleno século XXI, numa época em que tanto se fala de direitos, de liberdade e de respeito pela pessoa humana, ela é uma vergonha para todos.
Sobre a escravidão, São Paulo tem muito a ensinar. Em seu tempo, ninguém se atrevia a proclamar que a escravidão constituía um pecado contra a dignidade humana. Nem ele! Mas, apesar disso, não ficou de braços cruzados! Em carta dirigida a Filêmon, um rico empresário, dono de muitos escravos, que acabara de se converter ao cristianismo, ele colocou as premissas que levariam a humanidade a repensar o assunto. Onésimo, um escravo de Filêmon, abandonou o patrão, não sem antes se apossar de alguns de seus bens. Preso no mesmo cárcere em que estava São Paulo, acabou convertido por ele, que o mandou de volta ao “proprietário”, com estas palavras: “Penso que Onésimo se afastou de ti por algum tempo para que o tenhas de volta para sempre. Agora o terás não mais como escravo, mas muito mais do que escravo: como um irmão querido. Ele é querido para mim e o será muito mais para ti, seja como homem, seja como cristão” (Fm 15-16).
Dom Redovino Rizzardo é Bispo de Dourados, em Mato Grosso do Sul.
Dourados, 11 de fevereiro de 2011.