No começo do século XIX, surgiram diversos movimentos denominados "socialistas", em franca oposição ao liberalismo imperante. Usa-se designar sob o nome de "socialismos utópicos" as formulações e experimentos concretos de homens como Saint-Simon, Fourier, Owens, Blanc e outros, no seu intento de edificar "cidades socialistas" sobre a base da comunidade total de bens. Todas as realizações práticas do comunitarismo socialista fracassaram, sem exceção.
Em oposição ao socialismo utópico, Marx e Engels elaboraram o "socialismo científico" ou materialismo dialético, que se impôs sobre aquele como doutrina de referência para os distintos partidos e movimentos socialistas que se difundiram pelo mundo no final do século passado e no princípio do atual (ndt.: séculos XIX e XX, respectivamente).
Diante do surgimento das correntes socialistas de matizes diversos, o magistério católico formulou uma série de condenações e advertências. Pio IX, particularmente, condenou o socialismo e o comunismo na sua encíclica Qui pluribus, de 9/11/1846, dois anos antes da publicação do Manifesto Comunista de Marx e Engels. O mesmo pontífice reiterou o seu juízo na alocução Quibus quantisque (20/4/1849), na encíclica Nostis et nobiscum (8/12/1849), na alocução Singulari quadam (9/12/1854) e na encíclica Quanto conficiamur (10/8/1863). Os papas que o sucederam reiteraram a mesma doutrina, pela qual o socialismo é declarado incompatível com a doutrina cristã, desde Leão XIII, na Rerum novarum (1891), até Paulo VI inclusive, na sua recente Carta ao Cardeal Roy (14/5/1971).
Torna-se essencial examinar, dada a difusão e novas formas do socialismo, em que se fundamenta a resistência que a Igreja Católica opõe à doutrina socialista, ainda quando não seja de inspiração marxista.
Um denominador comum
Enquanto o marxismo possui uma referência doutrinal concreta e característica, não ocorre o mesmo com o socialismo, do qual deram versões diferentes os distintos autores e os diferentes programas partidários. Por essa razão, faz-se necessário descobrir qual é o denominador comum dos diferentes tipos de socialismo. Tarefa urgente, por outro lado, se se considera a ambigüidade dos diferentes sentidos que lhe são assinalados na atualidade, com um rol de adjetivos, que vão desde as "repúblicas socialistas" soviéticas até os mal chamados "socialismos cristãos", favorecidos pelos teólogos progressistas, sacerdotes terceiro-mundistas, etc.
Na Quadragesimo Anno, Pio XI distingue entre uma doutrina de violência, o comunismo, e uma doutrina moderada, o socialismo. Este último recusa às vezes o uso da violência, mas admite, geralmente, a teoria da luta de classes e a abolição da propriedade privada dos meios de produção; ambas as teses são sustentadas pelo comunismo.
Ao definir o socialismo, Pio XI lhe assinala três características essenciais: 1) uma concepção materialista do homem, que confere excessiva importância à vida econômica; 2) uma concepção coletivista da sociedade, pela qual o sujeito se acha privado de toda responsabilidade pessoal, para erigir em seu lugar uma direção anônima e coletiva da economia e, 3) uma concepção do fim da sociedade política exclusivamente centrada no mero bem-estar.
Idéia socialista do homem
O socialismo renega veementemente o individualismo liberal, ao definir o homem como cidadão, isto é, como membro da sociedade. O indivíduo carece de toda autonomia e responsabilidade, bem como de todo direito que não lhe seja designado pelo Estado.
A raiz dessa falsa imagem do homem provém do pessimismo socialista, por oposição ao otimismo liberal. Enquanto este concebe o indivíduo como essencialmente bom e justo, o socialismo considera que o homem é essencialmente egoísta, irresponsável e injusto. Deve, portanto, reduzir ao máximo o âmbito da sua liberdade, da sua iniciativa, pois inevitavelmente abusará dos demais. O único meio possível e eficaz contra tal tendência consiste em designar à sociedade em geral, ou ao Estado em particular, a plenitude da responsabilidade e das decisões.
Curiosamente, esse pessimismo profundo combina-se com uma teoria utópica, pela qual o socialista concebe a sociedade futura como um reino de liberdade absoluta, sem subordinações nem autoridade.
Conceito socialista da economia
Tal doutrina se encontra bem resumida na recente definição de André Philip: "O socialismo é a ação dos trabalhadores para estabelecer, mediante suas organizações, uma direção coletiva da vida econômica e uma socialização das empresas monopólicas, com o fim de acelerar o progresso técnico, garantir uma justa distribuição dos produtos e fazer participar os trabalhadores das responsabilidades e decisões essenciais da vida econômica e social".
Ao desconfiar do indivíduo, o socialismo transfere à "sociedade", ente anônimo e coletivo, o poder de decisão que será exercido de fato por um "soviet" ou por um grupo restrito, não responsável, em nome dos trabalhadores. Ao suprimir a propriedade pessoal, as liberdades políticas são meras ilusões.
Conceito socialista do Estado e da sociedade
O socialismo termina sempre por ser um estatismo, pois a "sociedade" abstrata é governada por um grupo de homens de carne e osso. Por isso sói qualificar-se a economia socialista de "Capitalismo de Estado", pois, ao negar a propriedade privada, o único proprietário possível é o Estado e sua burocracia. Com isso agravam-se os males do liberalismo, pois o Estado concentra todo o poder econômico, além de todo o poder político, forças policiais, sindicais, educativos, judiciais, etc., nas próprias mãos. O homem, e particularmente o operário, fica à mercê do Estado totalitário, único dispensador de direitos e favores.
O partido único é sua perfeita expressão
Complementariamente, o socialismo nega os direitos e autonomias próprios dos grupos, das famílias e das sociedades intermédias, sob pretexto de que dificultam a elaboração e execução da planificação estatal.
Complementariamente, o socialismo nega os direitos e autonomias próprios dos grupos, das famílias e das sociedades intermédias, sob pretexto de que dificultam a elaboração e execução da planificação estatal.
O socialismo cultural
Não contente com estatizar a economia e o social, o socialismo se erige em educador das consciências, monopolizando o sistema educativo em todos os níveis. Em nome de um igualitarismo fictício, pretende enquadrar as mentes nas calhas do socialismo, para evitar as reações e o surgimento de novas doutrinas.
O socialismo suprime Deus das consciências, mediante a difusão do laicismo, quando não do ateísmo. Em matéria moral, tudo se reduz em obedecer aos "fins sociais" que são ditados ao corpo social, negando-se a existência de uma ordem natural objetiva, fonte de direitos humanos inalienáveis. Ao reduzir todos os valores aos valores materiais, nega-se completamente o sentido transcendente da vida.
Uma oposição total
Pelas razões apontadas, existe uma incompatibilidade radical entre o socialismo e o catolicismo. Negando os direitos do homem e os direitos divinos, o socialismo transforma o indivíduo em instrumento de fins que lhe são impostos, segundo o lema de Saint-Simon: "É preciso substituir o governo dos homens pela administração das coisas".
Por isso segue de pé o juízo de Pio XI: "Socialismo religioso e socialismo cristão são termos contraditórios. Ninguém pode ser bom católico e verdadeiro socialista" (Quadragesimo Anno, n. 120).
Carlos Alberto Sacheri, do livro El ordem natural, Buenos Aires, 1974.
Tradução de Renato Romano.
Voto Católico | 29 de outubro de 2010.
Tradução de Renato Romano.
Voto Católico | 29 de outubro de 2010.