Saúdo com carinho o Senhor Cardeal Dom José freire Falcão, arcebispo Emérito de Brasília; Dom João Evangelista Martins Terra, Bispo Auxiliar Emérito de Brasília; as Autoridades dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário do Brasil e do Distrito Federal, em particular o Governador Rogério Rosso e sua esposa, as autoridades militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica; as autoridades religiosas de outras Igrejas cristãs e de outras Religiões presentes.
Queridos irmãos e irmãs de nossas paróquias da Arquidiocese e de outras dioceses aqui presentes.
Queridos irmãos e irmãs que nos acompanham pela Rádio Nova Aliança, da Arquidiocese de Brasília, pela Rádio Canção Nova de Brasília, pela Rádio Maria e por outras emissoras presentes.
Esta é a primeira vez que nos reunimos aqui na Esplanada dos Ministérios, depois da experiência inesquecível do XVI Congresso Eucarístico Nacional, realizado de 13 a 16 de maio em nossa querida capital, com a presença dos 350 bispos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. A santíssima Eucaristia, vivida como pão da unidade dos discípulos missionários, foi para nós o coração do grande jubileu de ouro da cidade e da arquidiocese de Brasília. Hoje, celebrando juntos a Eucaristia, no dia da Padroeira do Brasil e de Brasília, repetimos com toda a clareza da experiência da fé, “Fica conosco, Senhor”, para que o povo do Brasil e de Brasília caminhe na paz, na concórdia, na fraternidade, na justiça e na co-responsabilidade pela construção da vida de todos os brasileiros, especialmente daqueles que ainda deixamos à margem do caminho segregados na pobreza, na exclusão social , na solidão ou no mundo da violência.
Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil e da Arquidiocese nos reúne hoje numa única família: essa grande mãe nos ensina com sua vida que somos filhos de um único Pai, irmãos e irmãs que têm a mesma dignidade, chamados a colaborar na construção de relacionamentos fraternos, capazes de construir a justiça e a misericórdia, com todos os que formam a sociedade brasileira e mundial.
A rainha Ester, sabendo que era certa a destruição do povo judeu no exílio, devido a um plano diabólico de um alto dignitário, afligiu-se profundamente. Nenhuma força humana seria capaz de mudar os rumos do que já estava valvulado nos pormenores, até com data marcada para a execução, Ester, que tinha sido escrava e agora era rainha, sentiu o peso de sua responsabilidade. Voltou-se para o seu Deus, o Deus de Israel, o Deus da aliança e, com toda a fé de seu coração, manifestou a Ele sua angústia mortal. Relembrou outros momentos da história de seu povo, quando Deus interveio com mão amorosa, segura e forte. Ela soube depositar nele toda sua confiança. E a situação dramática foi revertida logo após aquele seu pedido ao rei: “ Se ganhei as tuas boas graças, ó rei, e se de for do teu agrado, concede-me a vida - eis o meu pedido! - e a vida do meu povo - eis o meu desejo!” (Est 7,3) (cf. Est 4, 17k-17z).
A Igreja aproxima a figura da rainha Ester da figura de Nossa Senhora. Assim como Ester, Maria é a defensora e a protetora de seu povo. Desde seu sim, que tornou possível a encarnação do Filho de Deus, Maria orienta seus filhos com segurança pelos caminhos que conduzem a Ele.
O apóstolo João foi o que mais conheceu Nossa Senhora, pois a acolheu por anos na sua casa de Éfeso. Podemos imaginar quantas confidencias ele recebeu da mãe de Jesus. Em seu livro do Apocalipse hoje ele no-la apresenta como um sinal grandioso de Deus, “vestida de sol, tendo a lua debaixo dos pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas”. (Apoc 12,1). A grande obra de Maria foi “dar à luz um filho do homem, que veio para governar todas as nações com cetro de ferro.” (Apoc 12,5). Sabemos que esse filho do homem é o filho de Deus, Jesus Cristo. Não pode haver obra maior do que uma mulher, frágil como é toda criatura humana, permitir a Deus, com seu sim, tornar-se homem como nós.
Por essa razão João evangelista só pode descrever essa mãe, única em sua missão, como uma mulher grande como o céu, inserida no universo inteiro e geradora daquele que veio para governar todas as nações.
O evangelho do mesmo apóstolo São João hoje nos fala da intervenção de Nossa Senhora na festa de casamento, beneficiando os noivos, e provocando a antecipação dos milagres de Jesus. Maria foi quem provocou a manifestação de Jesus como Messias, enviado para trazer salvação (cf. Jo 2, 1-11).
Desde outubro de 1717, a imagem de Nossa Senhora da Conceição, colhida pelos pescadores Filipe Pedroso, Domingos Garcia e João Alves no Rio Paraíba, que o povo começou a chamar de Nossa Senhora Aparecida, tornou-se um sinal da presença amorosa de Maria no meio do povo brasileiro. A história registra milagres ocorridos por sua intercessão, em modo particular entre os mais pobres, como foi o caso dos escravos. Sua imagem pequenina e negra nos sugere que Ela é mãe de todos os brasileiros, e, por isso, em especial dos pequenos, dos pobres, dos excluídos. Por isso, Ela indica-nos o caminho da superação da distância criada entre pobres e ricos, entre autoridades e povo, entre membros de diversas Igrejas cristãs, entre religiões diferentes.
Maria nos testemunha também que só é possível superar os grandes problemas pessoais e sociais se um povo coloca no centro de sua vida Deus, amado através de uma experiência decidida de fé, capaz de testemunhar os valores que dela brotam em todas as direções: da justiça, da defesa inequívoca da vida, do respeito pelo sadio pluralismo, que gera o diálogo e a colaboração em muitos projetos comuns, que são indispensáveis para o crescimento de um povo.
Nós, brasileiros, vivemos um momento privilegiado da história de nossa democracia. O momento político das eleições nos levou a escolher nossos senadores, deputados e muitos dos governadores. Resta-nos ainda eleger o presidente e o governador do Distrito Federal. Estas eleições estão mostrando o quanto a participação popular consciente pode influenciar na escolha dos homens e mulheres que nos governam. “Ficha Limpa” é uma lei popular vitoriosa. Ela já nos ajudou a impedir que políticos corruptos nos governem. Entre eles alguns foram barrados já em suas candidaturas. Outros foram impedidos de continuar suas campanhas. Já podemos dizer que o povo começou a realizar a tão esperada reforma política, que agora poderá tomar uma força bem maior.
Outro efeito muito positivo deste momento eleitoral manifestou-se na relação da dimensão política da vida com a religião. Homens e mulheres com poder político, com poder econômico e com poder nos meios de comunicação, tentaram empurrar a religião para longe da vida pública, tentando encerrá-la somente no âmbito da consciência individual. Agora, com o perigo de ver seus índices de pesquisa caírem, de repente o assunto religião e seus valores decorrentes, como são a defesa da vida desde sua concepção até sua morte natural, moveu candidatos e partidos a afirmarem o contrário do que há pouco afirmavam. Outros, que tentavam identificar suas candidaturas com a fé, foram chamados a sair das palavras e a mostrar pelo testemunho sua afirmação. Esperemos que os eleitos continuem lembrando que mais de 90% dos brasileiros são homens e mulheres identificados com os valores da fé cristã, para quem a fé em Jesus Cristo é decisiva na vida. É muito bom que os eleitos não esqueçam outro dado que emergiu do debate político, isto é, 71% dos brasileiros e brasileiras são contra o aborto.
É preciso, ainda, para o bem do povo brasileiro, que nossos políticos sejam homens e mulheres convictos e praticantes do diálogo com o partido diferente, com o candidato diferente. Os debates que presenciamos nos levaram a perceber que existe a verdade de um candidato e a verdade do outro candidato, mas dificilmente conseguimos concluir qual é a única verdade objetiva? Por que ela não é transparente? Por que o outro candidato, o outro partido, é visto somente em suas falhas e erros e não de acordo com os valores que ele agrega para se chegar a decisões melhores? É preciso que a velha política, tão presente até aqui, ceda lugar a uma política que privilegia a fraternidade como categoria política imprescindível.
Hoje, diante de Maria, mãe compassiva de todos os brasileiros e brasileiras, nós pedimos a graça de permanecermos um povo para o qual Deus conta, para quem a religião é o valor mais fundamental. Pedir ainda a Nossa Senhora Aparecida que ela nos ajude a superar o sectarismo, as divisões, os abusos de todos os tipos, a irresponsabilidade.
Ó Maria, Nossa Mãe Aparecida, padroeira do Brasil e de Brasília, vós que sois mais do que Ester, vós que sois mais do que Ester, vós que sois a mulher cheia de luz do apocalipse, vós que sois a mãe amorosa de todo o povo brasileiro, ajudai-nos a assumir juntos os destinos de nosso povo e de caminharmos na direção para a qual o Pai nos criou e para a qual Ele entregou seu Filho Jesus por amor para a nossa salvação. Olhai, ó Mãe, pelos pequeninos do vosso povo brasileiro, os pobres, os excluídos, as crianças, os jovens. Ajudai-nos a construir novamente um ideal de vida grande, onde caibam todos com suas diferenças legítimas e onde os jovens encontrem uma fonte abundante de vida que os atraia. Olhai nossos doentes, encarcerados, abandonados, famintos e desiludidos. Tornai-nos irmãos e irmãs de verdade para a glória do vosso filho e de Deus nosso Pai.
Amém.
Amém.
Dom João Braz de Aviz é Arcebispo Metropolitano da Arquidiocese de Brasília.
Brasilia, 12 de outubro de 2010.